Exposições
CAPRICHOS E DISTRAÇÕES / CLUBE DE DESENHO / PORTO , 2023
LUGARES DE POUCA LUZ: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE CAPRICHOS E DISTRAÇÕES DE LUÍS FORTUNATO LIMA
1. O desenho como imagem é algo a que chegamos demasiadamente tarde. Rosand lembra-nos que o que vemos é um resto, um fantasma, da ação que faz o desenho. E que o nosso olhar tenta reconstruir de algum modo. Um olhar que vem do que nos olha, na linguagem de Didi-Huberman.
Ver no desenho, através dele, como algo que nos atravessa o olhar, e que nos atinge em cheio, e não sabemos exatamente como isso acontece. O que vemos no desenho reflete muitas vezes as nossas próprias experiências, num diálogo comprometido com qualquer vestígio revelador do que pode ser visto ou conhecido.
2. O que pode ser visto aparece como sugestão de paisagem, que sobrevém, figurada numa iluminação limitada ou insuficiente — lugar de pouca luz — numa ilusão perspetivista, para surgir como evocação atmosférica. E contemplar a distância infinita que a atravessa, e expandir a perceção, para além do limite determinado pelo lugar onde se instala. Como um lugar em decomposição e de criação ao mesmo tempo, onde o desenho se faz e refaz em cada gesto. E cada gesto é em si mesmo uma abertura à forma, como sugere Nancy. Um movimento evocativo de alguma coisa, para alguma coisa. Talvez um lugar. Talvez uma sugestão de um espaço. Talvez uma paisagem levemente matizada de uma pintura ainda na expectativa.
3. Como imagem latente para uma paisagem, formada por manchas, por vezes cores pálidas, gestos mínimos, dentro de uma ordem convencionalmente comprometida com o desenho ou com a pintura. Explora na representação, a interpretação e invenção da paisagem, até aos limites da abstração. Pelo desenho parece passar toda a força para conhecer, dialogar e interrogar, um certo estado da realidade.
Como um testemunho, quase perdido, um estado da paisagem, talvez partículas suspensas na atmosfera, poeiras ou vapores de água, que dispersam a luz perdendo nitidez e intensidade. Assemelhando-se a uma forma de escrita, os desenhos aparecem como, traços, tramas, nublosas, restos, gestos incorporados no papel como ressonância do que se vê, do que se imagina, ou conhece de algum modo.
4. Nos desenhos de Luís Fortunato Lima, somos frequentemente induzidos a ficar, e deixar que o nosso olhar se perca e reconstrua vagarosamente nas sugestões que o desenho faz aparecer. São uma forma de pensar o desenho e a pintura, unidos a uma experiência comum, onde a natureza é capturada e recriada. Se nos aproximamos de um desenho ele revela-nos complexidades na sua pele. Barthes acredita que o olhar tende a fragilizar as fronteiras e quando olhamos deste modo, da paisagem já nada resta.
Marques, J.J, 2023
PAISAGENS FANTASMAS / CLUBE DE DESENHO / PORTO, 2021.
Apresentam-se, nesta exposição, obras realizadas desde 2019. São desenhos executados a carvão e a óleo sobre tela que representam paisagens e pormenores do espaço exterior. Nenhuma das imagens reproduz, integralmente, um sítio particular e identificável. De facto, estão patentes, em alguns desenhos, representações de algumas partes de estruturas reais e existentes, mas estamos perante paisagens genericamente concebidas de imaginação. O tema desta exposição segue a orientação geral que o trabalho do autor teve nos últimos três anos: a paisagem evocativa de ambientes experienciados na sua infância. O caráter desses ambientes pode, também, ser identificado em vários locais situados em zonas limítrofes do Porto e mesmo em pontos interiores desta cidade ou no norte do país. Será, pois, legítimo fazer essa correspondência com uma tipologia de paisagem existente, ainda atual. São combinações de espaços devolutos, lugares partidos, paisagens de ruinas e derrocadas e agremiações de pedras e fragmentos. Destacam-se os aspetos da ruina e da erosão, da deterioração ou, eventualmente, da destruição; aspetos característicos dos processos de diluição das coisas enquanto formas. Assistimos, nos últimos trabalhos, a uma intensificação da densidade atmosférica e textural das paisagens e dos objetos que as habitam. Em conjunto, os desenhos transmitem uma perceção da paisagem como território desfigurado, como síntese de uma existência e manifestação de uma desinteressada ação humana. A atenção é colocada sobre a dissolução dos espaços da vivência humana. É, precisamente, no contraste que se cria entre as remanescências sensíveis dessa vivência e os sinais da sua inevitável desagregação que reside um sentimento de insubstancialidade humana. As imagens concebidas para esta exposição suportam essa inquietude e, claramente, possuem uma faceta simbólica - no fundo, aquilo que elas reportam nunca é o que está lá. O título da exposição adequa-se ao ar fantasmagórico dos desenhos e indica a persistência de certas impressões dos referentes espaciais da infância, apesar de haver um afastamento de várias décadas. Paisagens-fantasmas é uma expressão que recria o sentido neurológico da expressão braços-fantasmas; esta, é relativa a uma ocorrência verídica, em certos indivíduos, de sensações físicas (dor, prurido) de membros que já não possuem.
L.F.L. 2021
A CASA DA INFÂNCIA / FACULDADE DE ARQUITECTURA U.P. / 2019.
Aparentemente, os desenhos que integram esta exposição apresentam imagens peculiares do nosso território, reconhecendo-se tipologias de estruturas existentes em contextos rurais ou semirurais. Procuram evocar certos ambientes vividos pelo autor na sua infância. Nenhum destes desenhos re-produz a imagem de um lugar específico e reconhecível na totalidade do seu conjunto, uma paisagem existente, real e identificável. São desenhos de imaginação. A montagem é livre. Possivelmente, na mesma imagem participam conjuntos de sensações obtidos em vários lugares e em alturas diversas, incluindo, talvez, ressonâncias de outros desenhos, pinturas, imagens. O processo que conduz ao emergir da imagem, no acto concreto do desenho, é suscitado por esfumadas manchas de carvão, nas quais o olhar encontra vultos de estruturas,objectos-alvo, por vezes associando-os, subconscientemente, a lembranças de carácter não visual: o toque das ervas secas ou da chapa quente, a rugosidade do muro, a direcção do vento, a sensação de caminhar sobre um chão irregular... Em suma, trata-se de um processo de imaginação que convoca a experiência do espaço, na expectativa de ativar, de algum modo, o campo afectivo/psicológico que motiva e orienta. O título da exposição relembra, precisamente, o pensamento psicanalítico de Peter Fuller, que conclui que «a arte se tornou na procura de uma casa que o artista crê ter possuído na infância e que a seus olhos assume o carácter de um paraíso perdido por sua culpa».
L.F.L. 2019
TUDO É OUTRA COISA / EXP. COLETIVA NO ESPAÇO MIRA / PORTO, 2014
Curadoria de José Maia, Ana
Carolina Frota, Patrícia do Vale, Rita Breda, Suzana Torres Corrêa.
O Espaço MIRA apresenta o quarto momento do projecto artístico que propõe pensar a fotografia nas suas múltiplas vertentes. Este momento intitula-se 'Tudo é outra coisa' e pretende explorar a relação entre a fotografia e a pintura, apresentando obras de Arlindo Silva, Luís Fortunato Lima, Cecília Albuquerque, José Almeida Pereira, Filipe Cortez e Francisco Babo. As imagens apresentadas nesta exposição são imagens de imagens, que pretendem pensar a influência da fotografia na pintura, a referência na pintura à fotografia, a citação, a apropriação, a duplicação da imagem e a produção de uma imagem pintada a partir da imagem já existente num outro medium - a fotografia. A necessidade de remeter para imagens preexistentes, para imagens que já foram publicadas, que já foram criadas por outros, revela uma determinada atitude em relação à produção de arte enquanto acto tanto de selecção como de invenção. A duplicação da imagem fotográfica por uma imagem pictórica traduz um medium constituído de modo indicial, que assenta sobre uma relação mais ou menos linear de causalidade entre a imagem e o seu detonador, para um medium de carácter icónico que outorga ao artista toda a liberdade para instituir semelhança ou dissemelhança entre a imagem e o seu objecto. Perante uma lógica predefinida pela imagem fotográfica, que de certa maneira já estava composta, a pintura ganha a liberdade de decisão (...) Luís Fortunato Lima utiliza a pintura como forma de síntese da imagem fotografada. Fotografias - essencialmente do Vale de Campanhã - são tratadas digitalmente e impressas com qualidades variáveis para ganharem outros valores cromáticos. Trabalhando estas imagens na pintura, dá-nos o anoitecer com o negro que toma conta da paisagem a partir do lugar do observador, o que adiciona passado à imagem. (...) A fotografia proporciona imagens carregadas de significado. Confirmar esse significado na pintura permite apreendê-lo de uma outra forma. Através da acção do pincel o acesso ao mundo proporcionado pela fotografia é reconfigurado ou desfigurado. Por meio de elementos técnicos e particularidades da fotografia e da pintura, pretende-se, neste quarto momento do projeto, trazer novamente ao Espaço MIRA obras de artistas de diferentes gerações, que reafirmam a cidade do Porto e a região de Campanhã.
RUÍNA SEM NOME / GALERIA JOÃO LAGOA / PORTO, 2011
Ruina sem Nome
é uma expressão que remete para o desconhecimento de um passado, do espaço e das
suas vivências, e para a indiferença generalizada relativamente a certas
edificações e espaços que persistem na nossa cidade (em certas zonas) e que, de
certa forma, passaram caracterizá-la nas últimas décadas. Não obstante, estas
realidades aparecem plasticamente renovadas pela forte intensidade luz/sombra
do espaço em planos recortados, pelo uso harmónico de tons médios/escuros e
pela aplicação suave e dissimulada da tinta. O resultado geral é uma espécie de
representação idílica, na qual os espaços suburbanos se apresentam tão obscuros
com sublimes, belos e sensuais.
L.F.L. 2011
O PASSADO RESUMIDO / GALERIA JOÃO LAGOA. PORTO, 2008.
Por Oldemiro Lima / 2008 (texto de sala de exposição)
Mais que uma indagação romântica sobre determinados espaços, ambientes ou objectos abandonados dispensados da sua utilidade primária, o "Passado Resumido" mostra uma realidade redutora: a singularidade das coisas que no seu aspecto revelam a síntese de uma existência, a passagem do tempo e, em parte, uma desinteressada acção humana. As composições com motivos isolados, na sua maioria centradas, envoltas de uma atmosfera taciturna reforçam a sensação de abandono, de solidão, ao mesmo tempo que remetem o observador para a uma análise simples do essencial. Embora neste caso as situações compostas nos trabalhos sejam uma encenação pessoal, onde, principalmente, a tonalidade da atmosfera é deliberadamente enfatizada, estas na verdade reportam para uma realidade bem mais palpável do que se poderia imaginar. Uma realidade do nosso quotidiano, composta de luzes e matizes, sobretudo nas horas crepusculares, em lugares do interior e da periferia da cidade do Porto; sítios concretos que sofrem alterações produzidas pelo Homem ou que, após uma transfiguração, aguardam pelo seu próximo destino. Espaços que absorvem a atenção do autor desde a sua adolescência e que, até há algum tempo, fizeram parte integrante das áreas onde habitava. Na sua visão, assemelham-se a uma espécie de sinal que evidência uma relação, em grande medida, ambígua do individuo com o meio. Esta observação por parte do autor está, aparentemente, longe de se consumar nesta exposição como poderia sugerir o seu título. É na verdade um processo lento de dissecação que se vai materializando nos trabalhos produzidos e que só o tempo ou o autor poderá cessar.
FRAGMENTOS DA CIDADE / GALERIA GOMES ALVES / GUIMARÃES, 2007-08
As pinturas e desenhos apresentados nesta exposição dão continuidade ao trabalho desenvolvido desde 2001 ao qual subjaz uma ideia da cidade como 'organismo' vivo e mutante, isto é, que se expande e se transforma com o tempo. Nas pinturas produzidas anteriormente é frequente termos acesso a paisagens crepusculares que denunciam um olhar atento sobre esta ideia, retratando em particular referentes do quotidiano que subsistem apenas como objecto arqueológico. Nesta exposição - fragmentos da cidade- confrontamo-nos apenas com partes da paisagem, nocturnos, pintados a partir de fotografia, ou fragmentos de objectos, da arquitectura, transportados para o atelier e pintados à vista, mas depurando o contexto. . Procuro representar apenas as matérias mais simples, as que compõem ou participam na estrutura mais básica que suporta a forma física da cidade O racionalismo e realismo imposto nas representações são apenas aparentes. Se no desenho das formas estes factores se procuram manter o mesmo não acontece com a cor, de interpretação mais livre do motivo. Revêem-se nestas pinturas alguns aspectos característicos da pintura clássica, formais e conceptuais, nomeadamente a pintura romântica, com especial referência a Caspar David Friedrich ao qual se faz uma referência temática numa das obras. Esta procura busca uma harmonização entre o motivo - ruína- e a carga psicológica evocada por si. Como parte da vida/espaço da cidade, estes fragmentos são o fruto do constante escamar do seu corpo: coisas que normalmente se encontram no chão ou nas obras que decorrem à porta de casa. Encontramos nestas pinturas e desenhos um sentido reflexivo, e mesmo metafórico, sobre -fazer parte da - ou mesmo - fazer a- cidade; o mesmo será dizer: viver e trabalhar com, e para, os outros Homens. Embora estas pinturas não representem formalmente figura, podem actuar como tal, pelo menos para mim: elas corporizam em cada fragmento uma pessoa, um indivíduo, e em cada grupo uma estrutura ausente; também, se quisermos, uma dimensão oculta. Particularmente nas pinturas e desenhos feitos à vista, evoco o trabalho solitário, ainda que totalmente livre.
L.F.L. 2007
A QUEDA / MCO ARTE CONTEMPORÂNEA / PORTO, 2007
No trabalho de Luís Lima é frequente termos acesso a paisagens crepusculares que denunciam um olhar atento sobre uma urbe que se expande e se modifica. O realismo das suas pinturas a óleo se, por um lado, reflecte uma identificação com rigor formal com algumas obras clássicas, por outro, transmite uma nostalgia por referências paisagísticas subjectivas, agora em diluição na mutável geografia da cidade que habita. A atenção centra-se no aparecimento de constelações arquitectónicas, erguidas sobre a terraplanagem do cenário preexistente, e na simultânea persistência de fragmentos de construções, já quase sem sentido, que subsistem como reminiscências de um passado recente. Vemos pinturas de lugares fracturados, de lugares semi - abandonados, de lugares que desaparecem, de lugares recém-nascidos. São lugares e são, também, não-lugares. Assistimos, sobretudo, a várias fases de implante de vias de circulação que vieram alterar, indelevelmente, a morfologia de zonas, outrora consideradas periféricas, da cidade do Porto. As telas de Luís Lima não podem ser pensadas como meros registos documentais da realidade. A mimésis da paisagem é apenas aparente. Na verdade, as criações artísticas surgem após a análise de fotografias, específicas, realizadas nos espaços que cativam o seu interesse. Mas o produto final, na tela, é invariavelmente diferente da percepção primordial. Dos registos fotográficos, que estiveram na génese da obra, mantêm-se os elementos estruturantes, mas surgem pinturas depuradas de todos os elementos humanos que as animavam e a colaboração de cores mais difusas intensificam o significado do que se tornou ausente. No espaço MCO - Arte Contemporânea, a apresentação d'A Queda (2006) reveste-se de um carácter particularmente metafórico sobre a obre de Luís Lima. Ao ser cuidadosamente colocada dentro de um espaço que apenas pode ser contemplado através de uma lente, assume um carácter especial pois chama a si uma atenção idêntica àquela que o artista lhe dedica, dando nitidez a um pormenor da paisagem urbana pós-VCI que, provavelmente, passaria despercebido.
VISTA PARA LADO NENHUM / GALERIA EXTERIL / PORTO, 2007
Trata-se de uma pintura que representa um sítio abandonado, porém, não é nem pretende ser uma representação realista. É uma interpretação e uma recombinação feita a partir de três fotografias : uma construção entre a informação e a imaginação. Aqui, a ruina e o abandono não são apenas uma fixação da imagem a partir da exterioridade. Passa por ser uma reorganização dos elementos que a caracterizam e que reflectem as minhas vivências e sensações do espaço. Será, então, também, uma vista para dentro.
L.F.L. 2007
SUBURBANO / GALERIA JOÃO LAGOA. PORTO, 2006
Por Óscar Faria (in Público / Artes, 21 Janeiro de 2006)
Em "Suburbano", Luís Fortunato Lima dá continuidade a um trabalho desenvolvido nos últimos quatro anos, no qual, através de pinturas minuciosamente executadas, retrata "o abandono e o sentimento de perda de quem se depara com locais outrora reconhecíveis". A Exposição resulta numa espécie de retrato de um tempo em decomposição, no qual os referentes do quotidiano desaparecem sem deixar rasto.
NÃO TENHO MEMÓRIA DESTE LUGAR (2005) / SUBURBANO (2006) / DEVOLUTO (2007)
Por José Manuel dos Santos Maia / 2007 (MCO Arte contemporânea -livro 1)
Luís Fortunato Lima tem desenvolvido um corpo de trabalho que compreende a pintura e o desenho. Os espaços, lugares e objectos, são registados fotograficamente e reinterpretados num desenho realista, rigoroso e preciso, que permite ao artista empreender um levantamento das transformações do lugar onde nasceu, na periferia do Porto. Enquadrada na clássica temática paisagem, a obra pictórica de Fortunato Lima estabelece múltiplas relações com o passado da pintura. Em termos temáticos e formais remete-nos ao início do século XVII, período em que o realismo emerge novamente e se assiste ao aparecimento de uma nova forma de pintura, período em que artistas holandeses e flamengos, a trabalharem em Roma, começam a pintar cenas da vida quotidiana, cenas de rua, em quadros de dimensões reduzidas. Se os referidos artistas, nas viagens ao Sul, representavam aspectos das regiões campestres, como pequenas torres sobre penhascos rochosos, pontes sobre perigosas ravinas e picos alpinos, paisagens em que os objectos eram representados com definição e com cores locais brilhantes onde dominava o castanho no primeiros planos, o verde nos intermédios e o azul nos fundos; nas paisagens de Fortunato Lima, a periferia da cidade do Porto é representada pela luz do nascimento ou do ocaso do sol que unifica a linha do horizonte. As cores escuras dominam o primeiro plano enquanto o plano intermédio é composto por elementos como ruínas, torres e sequência de construções arquitectónicas que nos conduzem a um plano distante, tenuemente iluminado. A luz que ilumina as paisagens e alguns dos elementos que as constituem, deixa o primeiro plano, o plano do observador na obscuridade; permitindo ao artista representar a descaracterização da paisagem da cidade do Porto mais especificamente: o apagamento da ruralidade do Porto com a invasão de construções em betão e o domínio do padrão urbano. O interesse pelas zonas rurais dos arredores da cidade, enquanto motivo e objecto de representação, encontra na história da pintura uma relação com o trabalho de artistas franceses que no período referido trabalhavam em Roma e se inspiravam nas zonas rurais do litoral napolitano. No início do século XVIII a designação de «Paisagem Urbana» era associada a uma imagem realista de Veneza, mesmo que a paisagem representada resultasse da soma de duas ou mesmo mais vistas. No final do mesmo século, em Itália, as paisagens urbanas tornaram-se populares. Realizadas no estúdio do artista, a partir de desenhos registados no próprio local, por vezes com a utilização de uma câmara escura, os desenhos, constituíam um espólio de imagens que poderiam servir uma ou mais pinturas durante um curto ou longo período de tempo, mesmo que o edifício ou outro elemento representado tivesse roído ou oculto. Hoje, algumas pinturas são consideradas arqueologicamente correctas e outras mais fantasistas. Do processo criativo de Fortunato Lima, também, faz parte a criação de um espólio de imagens, (registadas não com a utilização de uma câmara escura mas de uma câmara fotográfica,) que são reinterpretadas pictoricamente e que constituem uma espécie de levantamento arqueológico do lugar onde nasceu, mais concretamente, e segundo as suas palavras um levantamento da "zona compreendida entre as Antas e o vale de Campanhã; (...) espaços derivados da implantação da Via de cintura interna no Porto, que criou uma espécie de zona/fronteira de recantos que encerram poucas referências à sua identidade passada e à dos que o habitam ou habitavam." Antes da transposição da imagem fotográfica para pintura, o artista, reenquadra, recompõe a imagem adicionando ou subtraindo elementos. A gama cromática é trabalhada digitalmente ou alterada no processo de impressão da imagem fotográfica ou ainda alterada no processo realização da pintura. Em termos cromáticos, as paisagens tonalizadas de Lima, (pintadas com uma cor e a gradação muito estreita de subtis modulações de tom - tom sobre tom - com pequenas quantidades de cores fortes, utilizadas para realçar pormenores e orientar o olhar,) criam efeitos atmosféricos da luz e definem sombras ou zonas de sombra que permitem ao artista representar a sua visão do real e a condição existencial contemporânea. Os contrastes fortes de luz e sombra, as cores escuras que caracterizam os espaços atravessados pela luz e cores penetrantes e vivas, as pinceladas utilizadas na obtenção de um efeito brilhante; permitem ao artista conferir um tratamento dramático ao tema e expor a sua visão pessoal e interior da realidade. Ao conferir importância à emoção e à imaginação em detrimento da lógica cerebral e racional, Fortunato Lima aproxima-se das premissas definidas pelo Romantismo no século XIX. Ao contemplarmos a sua pintura, somos envolvidos pelo negro do primeiro plano e encontramo-nos num espaço sombrio ou, numa outra interpretação, somos remetidos para a obscuridade, para a escuridão. Em termos simbólicos o espaço exterior dá lugar a um espaço interior, a uma paisagem interior psicologicamente densa. Em termos metafóricos são imagens representativas do "lado sombrio do crescimento da cidade", da subordinação desta a um modelo urbano, desumano e frio. A luz do último plano que ilumina de forma remanescente os lugares, os objectos arquitectónicos, o mobiliário urbano ou outros objectos, torna-os fantasmagóricos, afunda-os no negro e sublinha o afastamento do homem relativamente à luz, à lucidez e aos "locais e coisas de transição que ecoam na memória qualquer espécie de reminiscência". Neste sentido, Fortunato Lima, torna-nos conscientes do divórcio com o passado, com um tempo mais iluminado, reforçando a obscuridade em que nos encontramos e permaneceremos. A invisibilidade para que tende a linha do horizonte, evidencia o declínio de crença num horizonte promissor e, por conseguinte, a falta de esperança num futuro melhor. A componente poética, da pintura de Fortunato Lima, abre um campo de reflexão e diálogo sobre o mundo actual, opera como instrumento de liberdade inventiva e sensível que não hesita em questionar o representável, os códigos, os poderes, o real e revela a parte obscura deste último. Segundo as suas palavras, proporciona o "encontro com a consciência da constante mutação das coisas", revela "obstáculos, silêncios e abandonos (...) a sombra da civilização actual e do bem-estar colectivo (...) no momento em que as referências físicas ao passado concreto terminam; num presente que se dilata entre essa referência arqueológica e o progresso". A obra de Fortunato Lima propõe-nos pensar a paisagem a partir da acção do homem sobre a natureza. As suas representações pictóricas da paisagem do Porto, são simbólicas de um tempo onde a construção e a intervenção na paisagem acontecem num ambiente estéril de reflexão crítica sobre as transformações materiais, espaciais e culturais, e consequentemente, distantes de qualquer discussão em torno da história da paisagem, da actividade humana e mais concretamente da cação do homem sobre o lugar, o espaço, e o ambiente onde vive. Na obra de Lima já não se coloca a distinção entre paisagem natural e cultural como outrora fora sustentada. A visão do artista responsabiliza-nos pelas sofríveis transformações na paisagem e pela indecorosa acção do homem no espaço que habita, no mundo.